quarta-feira, 10 de março de 2010

Martha está morta

Imagino Martha escolhendo a roupa, combinando a blusa e o cachecol de linha. Antes de sair, Martha riu para o espelho e pegou a jaqueta. A mãe até chegou a perguntar aonde ia, mas era melhor não dar grandes explicações. Nem mesmo ela sabia quanto tempo ia demorar a conversa, podiam ser 15 minutos ou a noite toda.

Desceu as escadas rápido e teve tempo de segurar a porta para a vizinha de cima, que chegava cheia de sacolas. "Se não tá levando guarda-chuva se prepara", avisou a moça, esbugalhando o olho. Através da imensa porta de vidro lembrou como detestava o inverno. Nem eram seis da tarde e já parecia noite.

Quando viu a moto chegar, atravessou a rua. Deu dois beijos em Rodrigo, reclamou do tempo e foram a um bar ali perto. Estava curiosa para saber qual era o tão misterioso presente. Ele fez todo um teatro para mostrar a surpresa. Quando Martha começou a ficar impaciente, Rodrigo finalmente entregou os incensos do Chile.

Se havia uma hora em que poderiam ter se beijado seria essa, logo que disse que não tinha conseguido parar de pensar nela durante a viagem, mas dessa vez Martha resolveu não complicar mais as coisas. Rodrigo parecia tão interessado que deu medo. Era muito cedo para começar outro namoro e e não teria porquê arriscar uma amizade num momento tão difícil. Meteu os incensos no bolso da jaqueta, disse que estava muito molhada para ir ao cinema e decidiu voltar para casa.

Cruzou a porta de vidro, subiu pelas mesmas escadas e encontrou Miguel na campainha. Cumprimentaram se meio esquisito, como acontece com ex-namorados, e entraram logo. Ele disse que a amava e e que ia mudar. Ela respondeu que não acreditava e preferia continuar afastada até que as coisas se acalmassem. Pediu que ele fosse embora. Miguel abraçou-a com força e tentou beijá-la até que percebeu os incensos escapando do bolso da jaquela preta.

Quem te deu isso?
O Rodrigo.

Martha termina aqui. Miguel deu dois passos até a mesa, pegou o cinzero de ferro e bateu com tanta força que ela nem gritou. O ex namorado limpou o sangue com o cachecol de linha e essa foi a noite em que martha pegou mais chuva. Seu corpo foi jogado num parque na fronteira de Sevilla e até hoje ninguém encontrou.

* O crime aconteceu em 14 de janeiro. Martha tinha 17; Miguel,21. Ele confessou um mês depois e, desde então vem mudando seu depoimento. Primeiro, o corpo estaria no rio, no aterro sanitário e por último nesse parque. Pouco se sabe sobre o que realmente aconteceu.De vez em quando eu janto escutando esse caso na televisão. Martha aparece sempre em fotos de verão, com um colar de buzios. Sua vó, com uma enxada, diz que só descansa quando encontrá-la. Eu rezo para que ela seja encontrada, mas não por um familiar. Depois de quase dois meses, Martha não se parecerá consigo mesma.

Um comentário:

  1. Até ler seu texto, Martha só era mais uma notícia em série nos jornais gratuitos da Complutense.
    Suas palavras me fizeram ver algo que o jornalismo noticioso sempre me rouba, o ângulo humano.

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