segunda-feira, 23 de abril de 2012

Querida ponte,

Hoje no meu trabalho falaram mal de ti.
Disseram que estavas podre e deviam te destruir. 
Colocar outra no teu lugar. 
Uma mais moderna, mais barata e talvez até mais bonita.

Concordei em parte. 
Porque gosto de ti não te vejo podre, apenas fraca, 
mas até aceito que te derrubem desde que se 
derrube contigo tudo que é podre no mundo.

Acho pertinente começar por aqueles que
te deixaram tão debilitada. Os que inverteram os diagnósticos,
falsificaram teus remédios e te prestaram um tratamento de terceira
quando todos nós aqui concordamos que merecias o melhor. 
E pagamos por isso.

Eu não sei de quantos renomados engenheiros, técnicos 
e administradores estamos falando, mas estes foram os mestres. 
Viram na tua doença uma forma de ganhar dinheiro fácil. 
Te prometeram a cura, recomendaram repouso, 
mas nos enganaram também.

Enquanto estávamos longe te quebraram os joelhos. 
Para nós, mandaram apenas o recado e o número da conta: 
¨O caso é grave. Ela mal consegue ficar de pé¨.

Assinamos outros cheques e nenhum de nós quis saber o valor.
Só te queríamos de volta, inteira, como antes.
O problema é que a essas alturas os mestres já não estavam sozinhos.
O conhecimento da rentabilidade das tuas fraquezas tinha se alastrado.
Centenas de aprendizes aplicavam agora em ti 
as mais dolorosas técnicas da antimedicina:
cortavam os tendões para costurá-los depois, 
arrancavam tuas unhas, esmagavam os dedos para então desentortar.

Nos víamos cada vez menos e, com o passar dos anos,
fomos perdendo a esperança. Os cheques continuavam saindo,
mas não melhoravas nunca. Começamos a desconfiar que havia
alguma coisa errada e fomos te visitar depois de tanto tempo.

Foi triste quando vimos teu estado.
Ficamos totalmente desorientados.
Precisávamos agora encontrar outros médicos, 
tentar novos tratamentos.
Marcamos de nos encontrar na semana seguinte,
depois na próxima e na outra,
até percebermos que estávamos ocupados demais 
para tomar qualquer decisão.

Optamos então por uma medida paliativa: 
contratamos uma maquiadora ótima que escondeu 
todas as tuas escaras com lâmpadas da mais alta tecnologia
e resolvemos deixar assim mesmo.

A verdade é que não temos tempo para cuidar de ti,
mas como bons filhos que somos, continuaremos assinando os cheques.
E é por esse motivo que eu concordo que te derrubem 
desde que se derrube contigo tudo o que é podre no mundo.


Cairemos juntas, querida.








4 comentários:

  1. PS: Escrevi este texto na sexta-feira. Fiquei comovida ao passar pela Ponte Hercílio Luz e imaginar Florianópolis sem ela. Se me perguntassem se eu considero a ponte útil, eu responderia que ela tem a mesma utilidade dos meus álbuns de infância. Ou seja, mesmo sem nenhuma finalidade prática, para mim, importa.
    O problema é que a ponte está fechada faz 30 anos e já foram gastos mais de 100 milhões de reais numa ponte por onde não passa nem bicicleta. Ou seja, a ponte se tornou um ótimo pretexto para a corrupção. Dúvida então é: Será que vale a pena tentar reconstruí-la, apesar de tanta fraude e incompetência? Ou seria melhor destruí-la para fechar a generosa torneira do dinheiro público?
    A impressão que dá é que honestidade e profissionalismo não estão entre as opções e isso é realmente desanimador. Se nós, que gostamos da ponte, não pararmos para prestar atenção, ela continuará sendo cuidada pelos que realmente não prestam.

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  2. Essa declaração de amor é mesmo comovente. Amor a esse importante ícone da cidade; amor às referências que marcam vidas; amor oa sítio onde construimos as nossas histórias. Puro amor...

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    1. Ainda ontem li o seu texto sobre o Maranhão verdadeiro e tive a mesma impressão... Tomara que o futuro traga surpresas boas para essas cidades que a gente ama. Por enquanto, é um pouco triste, não? Com carinho, Sarah

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  3. Adorei a poesia e a mensagem. Acho um absurdo quando ouço alguém dizer que "tem mais é que derrubar" e que não "serve para nada". Imagine se todos os pontos turísticos das grandes cidades (que atraem milhões de pessoas por ano e rendem outros bilhões) fossem destruídos por serem "velhos/antigos"... Absurdo isso. É parte da história, da paisagem, do passado e do presente.
    Torneira de dinheiro público existem outras aos montes, e sempre haverá.

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