Os lanches do meu trabalho reforçam a
imunidade.
Todos os dias, peço um pão de queijo para levar e
lá
vai ela colocar a luvinha de plástico amassada,
cuidadosamente
guardada embaixo do grampeador.
A menina deve ter uns 12 ou 13 anos e
sorri para mim,
bonita e envergonhada, enquanto coloca a luva
com certo
rigor acadêmico.
Acompanho silenciosa e um pouco aflita o trajeto
da luva,
que um dia deve ter feito parte de algum kit de tintura.
A
mão abre a gaveta, pega o saco de papel, fecha a gaveta,
abre a
porta do forninho, agarra o meu pão de queijo como
quem colhe uma
laranja do alto e me entrega o lanche, orgulhosa.
A luva volta pra
debaixo do grampeador até o próximo cliente.
Pego um canudinho higiênico e saio pensando nessa nossa
ilusão de assepsia. Nada que não aconteça em restaurantes bem
ilusão de assepsia. Nada que não aconteça em restaurantes bem
mais sofisticados. No shopping, o funcionário me
entrega
uma colherinha lacrada e, com a outra mão, enterra os dedos
na
minha casquinha. Álcool gel na fila do buffet a quilo,
onde pegadores
contaminados somem sob as folhas de alface.
Na conhecida rede
italiana, a moça limpa os respingos do
molho do macarrão no meu
prato com o paninho da pia.
E, de tudo isso, o que realmente me
enoja são as colherinhas de café.
A antiga colher de metal num
copo com água foi unanimemente
substituída por traiçoeiras
colherinhas de plástico que somem
e se multiplicam numa velocidade
incrível. A colher dá duas voltas
na xicrinha e vai para o lixo
simplesmente porque foi usada.
Anos e anos de decomposição por três
segundos de vida inútil.
Procuro uma razão que justifique o desperdício e tenho
a impressão de que fascinados por essa ilusão de limpeza.
Nossos olhos ainda brilham com embalagens ultraresistentes
e hermeticamente fechadas, que, assim como
os sachês de ketchup, a gente abre com a boca.
A ideia da reciclagem alivia o peso na consciência,
mas não nos exime da culpa. Seria interessante, por exemplo, que
a frase “Recicle” na indestrutível
garrafinha de Gatorade
fosse substituída por algo ainda mais óbvio e impactante
como “Isso continua sendo uma garrafa”.
como “Isso continua sendo uma garrafa”.
Talvez só assim, quando tivéssemos
que dividir os cômodos de casa
com vidros de conserva, embalagens de
sorvete, marmitas de isopor
e todo o tipo de potinhos, pensaríamos
mais seriamente sobre o
volume permanente de lixo que se acumula para
garantir a nossa
provisória sensação de limpeza e nos obrigaríamos
a procurar saídas
mais inteligentes e ainda mais desconfortáveis
que a reciclagem.
Enquanto isso não acontece, tento levar para a vida o
exemplo
dos meus adoráveis sobrinhos, que ocasionalmente degustam as
rodas dos carrinhos, experimentam brita e tentam morder as orelhas
dos meus cachorros com comovente naturalidade.
Pelos últimos três meses, venho sobrevivendo ao pão de queijo e,
ao que tudo indica, já devo estar resistente.
Poderia até contar para a menina que já não faço mais questão
da luva, mas sou impedida pelo senso de responsabilidade.
Pelos últimos três meses, venho sobrevivendo ao pão de queijo e,
ao que tudo indica, já devo estar resistente.
Poderia até contar para a menina que já não faço mais questão
da luva, mas sou impedida pelo senso de responsabilidade.
Sei que pelo menos a mão dela está protegida.
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