terça-feira, 9 de outubro de 2012

Estou sobrevivendo ao pão de queijo


Os lanches do meu trabalho reforçam a imunidade. 

Todos os dias, peço um pão de queijo para levar e 

lá vai ela colocar a luvinha de plástico amassada, 

cuidadosamente guardada embaixo do grampeador. 

A menina deve ter uns 12 ou 13 anos e sorri para mim, 

bonita e envergonhada, enquanto coloca a luva 

com certo rigor acadêmico. 

Acompanho silenciosa e um pouco aflita o trajeto da luva, 

que um dia deve ter feito parte de algum kit de tintura.

A mão abre a gaveta, pega o saco de papel, fecha a gaveta,

abre a porta do forninho, agarra o meu pão de queijo como 

quem colhe uma laranja do alto e me entrega o lanche, orgulhosa. 

A luva volta pra debaixo do grampeador até o próximo cliente.


Pego um canudinho higiênico e saio pensando nessa nossa

ilusão de assepsia. Nada que não aconteça em restaurantes bem 

mais sofisticados. No shopping, o funcionário me entrega 

uma colherinha lacrada e, com a outra mão, enterra os dedos

 na minha casquinha. Álcool gel na fila do buffet a quilo,

onde pegadores contaminados somem sob as folhas de alface. 

Na conhecida rede italiana, a moça limpa os respingos do 

molho do macarrão no meu prato com o paninho da pia. 


E, de tudo isso, o que realmente me enoja são as colherinhas de café. 

A antiga colher de metal num copo com água foi unanimemente

substituída por traiçoeiras colherinhas de plástico que somem 

e se multiplicam numa velocidade incrível. A colher dá duas voltas 

na xicrinha e vai para o lixo simplesmente porque foi usada. 

Anos e anos de decomposição por três segundos de vida inútil.


Procuro uma razão que justifique o desperdício e tenho

a impressão de que fascinados por essa ilusão de limpeza.

Nossos olhos ainda brilham com embalagens ultraresistentes

e hermeticamente fechadas, que, assim como

os sachês de ketchup, a gente abre com a boca.

A ideia da reciclagem alivia o peso na consciência, 

mas não nos exime da culpa. Seria interessante, por exemplo, que

a frase “Recicle” na indestrutível garrafinha de Gatorade 

fosse substituída por algo ainda mais óbvio e impactante

como “Isso continua sendo uma garrafa”.


Talvez só assim, quando tivéssemos que dividir os cômodos de casa 

com vidros de conserva, embalagens de sorvete, marmitas de isopor 

e todo o tipo de potinhos, pensaríamos mais seriamente sobre o 

volume permanente de lixo que se acumula para garantir a nossa 

provisória sensação de limpeza e nos obrigaríamos a procurar saídas 

mais inteligentes e ainda mais desconfortáveis que a reciclagem.


Enquanto isso não acontece, tento levar para a vida o exemplo 

dos meus adoráveis sobrinhos, que ocasionalmente degustam as

 rodas dos carrinhos, experimentam brita e tentam morder as orelhas 

dos meus cachorros com comovente naturalidade.

Pelos últimos três meses, venho sobrevivendo ao pão de queijo e,

ao que tudo indica, já devo estar resistente.

Poderia até contar para a menina que já não faço mais questão

da luva, mas sou impedida pelo senso de responsabilidade. 

Sei que pelo menos a mão dela está protegida.


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