O que não dizer para uma criança
Na fila da temakeria, escuto a conversa entre a mãe e a menina.
A menina, de não mais que dois anos, havia tirado o casaco,
deixando aparente sua blusa de pijama.
“Saí na pressa e ela não quis trocar de roupa”, comenta
a mãe em voz alta, como quem se desculpa em público.
O tom é doce, mas fica evidente que ela gostaria
de ver a filha mais arrumada.
A grande questão é que a blusa de urso não combina com a calça.
Por isso, ela repete para que a menina coloque o casaco.
A menina nem liga, entretida em chamar a garçonete
para pedir um copo d’ água, sem quase nem saber falar.
O olhinho inteligente e sua fofura natural de criança
conquistam a fila toda e mais algumas mesas perto da porta.
A menina vira o centro das atenções.
Um pouco nervosa pelo improviso da roupa, a mãe apela:
– Você está muito feia com essa blusa.
A menina estranha, confere silenciosamente a estampa da blusa,
segura a aplicação do bichinho e mostra pra mãe,
como se tivesse havido algum engano:
– É o urso, mamãe...
O argumento veio tímido, mas me convenceu.
Como que o amiguinho urso poderia ser feio? Para quem?
A mãe, mesmo frente a tanta inocência, continuou
e carinhosamente falou as piores palavras do mundo:
– Eu estou com vergonha de você.
O que se dizer para uma criança
A menina tinha ganhado um patins e notou que
as amiguinhas ficaram diferentes.
Não queriam mais brincar com ela como antes.
A menina ficou chateada e contou a história para a mãe,
que muito sabiamente perguntou:
- Elas meninas também têm patins?
- Não.
- Então empresta...
O que a minha mãe me disse
Eu tinha uns 5 anos. Era véspera de dia das mães
e nós íamos fazer um cartão. No dia anterior,
as tias do colégio avisaram que todos deveriam levar tesoura.
A regra era claríssima: quem esquecesse
a tesoura ficaria sem cartão.
Já no caminho para a aula, olho para o meu material,
percebo que esqueci e começo a chorar compulsivamente.
Conto para a mãe o motivo do meu desespero.
Ela entende e ela fala bem calma:
– Querida, é só uma tesoura. Você vai chegar lá, explicar
que você esqueceu e alguém vai te emprestar.
Até hoje, sempre que alguma coisa me preocupa
eu tento me lembrar dessa cena.
Felizmente descubro que tenho bem menos problemas
do que tesouras.
A boa narrativa se revela plena nos textos de Sarah, mesmo que nos micro-contos. A palavra na medida certa.
ResponderExcluirOlá.
ResponderExcluirO psicológico infantil pode direcionar a vida inteira de um ser.