sábado, 8 de março de 2014

"Impulso", "Fraqueza", ou "Ficou por dizer"

Não era certo, não era prudente, não era sequer admissível. Mas ligou mesmo assim, irresponsável, numa dessas noites ruins. Queria contar que o universo não andava certo fazia algum tempo. A cidade era legal, era. O trabalho era legal, mais ou menos, mas a vida era permanentemente incompleta, uma solidão disfarçada com idas prolongadas ao supermercado, uma academia e as mesmas séries da TV.

Constantemente ocupava-se com um livro ou com a ideia de que era hora de realizar algo importante, mas nessas noites meio chatas não era o futuro promissor que fazia falta. Sonhava com o passado em sua forma mais despretensiosa, da bolacha recheada e da garrafa de coca cola ao lado do sofá, das lingeries escolhidas com tanto cuidado, daquelas declarações feitas só depois de alguma intimidade, como quando a gente responde que "não é cólica não, é dor de barriga". Tinha saudade do solzinho que passava pela janela sem cortina e de abrir o olho e encontrar com ele.

Agora, o tempo todo era só ela. Às vezes chegava a dizer oi para o espelho e achava isso tão ridículo quanto as fotos que batia de si. Andava meio cansada desse mundo conectado, com 600 amigos e ninguém pra segurar a câmera, mas recorria a ele ou por costume ou por carência. Em casa, convivia com os armários abertos e os talheres na pia. De vez em quando, repassava algumas conversas no chuveiro que ficariam por ali. Já fazia tanto tempo que já não fazia sentido.

Quando parava pra pensar, concluía que a vida era mais civilizada sem amor. Não há gritaria, não há pressa, não há farpas, não há culpa. Não há conversas conspiratórias, nem tantas explicações. Os dias passam mais devagar e as coisas são como estão. Não há vontade de apressar o tempo, nem se corre o risco de esmagar, por insegurança, aquilo que a gente só queria manter. Mesmo assim, em sua absoluta falta de coerência, o amor ocupa o dia com mais esperança, entende? Ninguém respondeu. Não havia ninguém ali e nem do outro lado da linha, já que o telefone chamou chamou e caiu na caixa. Ela não quis tentar de novo e ele nunca retornou a ligação. A vida seguiu fácil, embora ponderadamente dolorida.



2 comentários:

  1. Como sempre, um texto de qualidade, que puxa pela reflexão. Muito bom!

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  2. Life is a looping... E logo ali na frente já tem outro trecho unicamente bom a ser percorrido. =) bjs Sarinhah.

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